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Notas de Campo na África Subsaariana

Excerto de "Embaixadores da participação:

A difusão do Orçamento Participativo a partir do Brasil"

 

 

 

 

Dacar, Dezembro de 2012

 

O calor era intenso, a tarde mal começara e a ofuscante claridade do dia estava longe de amenizar. O celular marcava a data de 05 de dezembro. Uma das salas do hotel King Fahd Palace em Dacar, no Senegal, se enchia gradualmente. Na porta, um aviso improvisado, escrito à mão sobre papel sulfite, informava em francês: “Séance sur le Budget Participatif”. Um homem alto, vestido num terno azul, instalava seu computador ao projetor de imagens. Era Yves Cabannes, professor de uma prestigiada instituição em Londres, que havia trabalhado durante anos para um programa da ONU – Habitat. Ele fazia parte dos organizadores da sessão. Delicadamente perguntei a ele se eu poderia distribuir uns questionários. Ele consentiu. Os participantes – à medida que foram se instalando – conversavam, trocavam cartões, folders e documentos de trabalho, até que a sala foi preenchida por completo. Contei as cadeiras e anotei o número em meu caderno de campo. Havia cerca de duzentas pessoas. Fiquei impressionado! A sessão estava para começar, um pouco atrasada como de costume. Ao distribuir os questionários na primeira fileira, conheci os membros de uma delegação que vinham da outra extremidade do continente: o Madagascar. Mal sabia que na manhã seguinte nos encontraríamos no café da manhã. Uma casualidade havia nos levado a ficar hospedados no mesmo hotel.

 

Um senegalês tomou a palavra interrompendo o burburinho e a movimentação na sala. Era Bachir Kanouté, especialista em Orçamento Participativo na África e quadro de uma ONG implicada há tempos com a cooperação internacional. Bachir introduziu o evento em francês. A sessão foi continuada pelo Prefeito de Dondo, uma cidade perto de Beira, no Moçambique. Dondo construiu uma experiência pioneira de participação social na África Subsaariana e foi um dos primeiros casos de Orçamento Participativo na região. Sem intérpretes para o moçambicano, o homem de terno azul improvisou uma tradução simultânea. Falava como se o português fosse sua língua materna. Em seguida, a plavra foi passada à Jules Dumas, dos Camarões, outro especialista dos Orçamentos Participativos na África, cuja trajetória era marcada pela colaboração com uma rede francesa de ativistas para a radicalização da democracia. Yves Cabannes também interveio apresentando um quadro geral das experiências nos países africanos. Disse que a expansão do OP havia chegado a um ponto de não retorno na África e apontou para alguns países nos quais o OP aumentava vertiginosamente: Camarões, Madagascar, Moçambique e Senegal.

 

Após este primeiro bloco, o coordenador de relações internacionais de Guarulhos apresentou a Rede Brasileira de Orçamentos Participativos. Ele havia passado parte de sua formação numa instituição de estudos políticos francesa e se exprimiu diretamente na língua oficial do evento. Sua exposição foi seguida pela coordenadora de relações internacionais de Porto Alegre, que apresentou a experiência do Orçamento Participativo de seu município, desta vez em inglês. Foi aberta, então, a discussão. Os africanos pareciam incansáveis diante do tema. As perguntas vinham, como revoadas ao entardecer, de muitas direções: Mali, Burquina, Quênia – do próprio Senegal – e de outros países. A plateia estava efervescente. Enquanto a sessão terminava fui recolher meus questionários.

 

  Na noite seguinte estava previsto um evento de diálogo entre América Latina e África no salão nobre do hotel. A sessão foi introduzida pelo Secretário Geral da divisão africana da associação internacional Cidades e Governos Locais Unidos, a CGLUA. Na mesa Jean Pierre Elong Mbassy, apresentou Yves Cabannes como um dos papas do Orçamento Participativo, e continuou dizendo que aos seus lados estavam os bispos, Bachir Kanouté e Jules Dumas. Foram diversas exposições, dentre as quais interviram os representantes das redes argentina e brasileira de Orçamentos Participativos, de Porto Alegre e de uma comunidade rural do Madagascar. A representante de de Yaoundé – 5, nos Camarões, encerrou a mesa numa intervenção marcante. Ao iniciar seu discurso a prefeita camaronesa disse que o OP havia mudado muito sua cidade, explicou as melhoras que haviam sido trazidas e concluiu com um discurso que nos surpreendeu, a todos nós, sem dúvida. A prefeita disse que era muito religiosa. Em seguida, pediu desculpas. Logo continuou, insistindo que precisava agradecer a Deus por ter trazido o OP à sua cidade e em seguida expressou sua gratidão também à representante de Porto Alegre e terminou por dizer que “a ideia que vocês tiveram é uma ideia divina, e eu continuo a dizer que o Orçamento Participativo na cidade é uma ideia divina.”[1]

 

A alusão à Deus e a relação entre o plano divino e o OP chamou a atenção. Após todos os anos de pesquisa, havia sido a primeira vez que escutava tal expressão a respeito do OP. Por quê, me perguntava? Seria algo meramente religioso? Que efeitos o OP haveria provocado em Yaoundé – 5 para ser assim considerado? Não fui capaz de responder de imediato. Pouco tempo depois chegou a embaixadora do Brasil no Senegal, acompanhada por um diplomata brasileiro. A sessão foi concluída com a assinatura de um protocolo de cooperação entre a prefeitura de Yaoundé – 5 e a prefeitura de Porto Alegre, sob a testemunha da embaixadora. Tirei um punhado de fotos. Ao terminar a cerimônia, desliguei o gravador. Logo em seguida recebi um convite para jantar, feito pelos brasileiros que ali estavam. Aceitei sem muita hesitação, mas não tive tempo de trocar minhas botas, que ainda continuavam sujas de areia...

 

 

Notas de campo

 

 

 

[1] Tradução realizada pelo autor do original “ce que je veux vous dire pour terminer ce que je suis vraimment três heureuse d’avoir découvert ce budget participatif, je voudrais remercier Dieu [...]  je peux vous dire que c’est quelque chose de três intéressant parce que la population est “je souhaite à tous ceux qui sont dans la salle [...]  de je pense que pour finir, excusez moi de vous dire parce que je suis três croiante, je voudrais vraiment remercier Dieu de nous avoir [...]  l’idée que vous avez eu est une idée divine, le budget participatif est une idée vraiment divine. 

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