Difusão de políticas
Metodologia de pesquisa de campo: uma etnografia política da difusão internacional
Excerto de entrevista concedida para a Revista Interdisciplinar de Trabalhos sobre as Américas (RITA) da França
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"RITA: Você pode nos explicar brevemente seus métodos de pesquisa (entrevistas, coleta de dados, observação participantes...)? Quais foram às principais dificuldades encontradas?
Osmany Porto de Oliveira: Essa talvez seja a pergunta mais difícil. Na verdade, o tipo de pesquisa que eu fiz é parte de uma forma de entender as relações do mundo, como elas estão se configurando em tempos de profunda globalização. Os grandes manuais de política comparada ou de metodologia de ciências sociais tendem sempre a considerar as questões dentro de fronteiras específicas (estado, ministério, município ou bairro). Na Ciência Política, tem essa associação entre o método de pesquisa e as fronteiras institucionais da política. O campo de pesquisa está sempre limitado ao fenômeno político e ao seu território. Quando a gente estuda difusão internacional, estamos estudando questões que acontecem fora do perímetro institucional, transgredindo as fronteiras do Estado. Temos um pé no município, outro no Estado, nas organizações internacionais e assim por diante. Eu me inspirei muito num artigo do Patrick Hassenteufel publicado na Revue Française de Science Politique. Ele fala que é necessário fazer uma sociologia dos operadores das transferências, estudar os lugares e espaços de interação em que os atores transnacionais difundem seus modelos, ideias e projetos. Uma das referências para meu trabalho foi o famoso livro da Margaret Kecke da Kathryn Sikkink sobre o ativismo transnacional. Também me inspirei na impressionante pesquisa do Yves Dezalay e Briant Garth sobre a circulação internacional das elites e as reformas de Estado na América Latina pós-transição à democracia[3].
Quis entender como aconteceu o processo de difusão em alguns níveis, global, regional e local, estudando um conjunto de casos pontuais. Usei uma metodologia que pudesse me ajudar a entender esse fenômeno de natureza transnacional. Fiz a opção de usar a estratégia de rastreamento do processo, process tracing, que significa procurar entender as cadeias causais que levam a um determinado resultado, no meu caso, a difusão massiva do Orçamento Participativo.
Usei algumas técnicas de pesquisa empírica. A primeira técnica foi a realização de entrevistas. Algumas das entrevistas duram 3 horas e outras 15 minutos. Em média, elas têm uma hora. No total, encontrei e conversei com 125 pessoas sobre o Orçamento Participativo e os processos de difusão. Eu procurava justamente entrevistar pessoas que participaram desse processo nos diversos níveis: quadros do Banco Mundial ou da ONU, prefeitos, membros de redes transnacionais, ativistas, quadros de ONG locais e alguns cidadãos (aquelas pessoas que viram o Orçamento Participativo ser “puxado” para dentro do município). Trabalhava com entrevistas semiestruturadas em profundidade. Fiz entrevistas em nove países. Uma parte nas Américas, outra parte na Europa e outra na África Subsaariana. Estive em 14 cidades. Em cada uma das entrevistas, procurava rastrear o processo de transferência do Orçamento Participativo: os tipos de atores envolvidos, suas influências e como se articulava com o processo mais amplo de difusão global. Fiz um grande trabalho com entrevistas em profundidade.
A segunda técnica que utilizei foi a técnica de participação em diversos eventos internacionais que tivessem relacionados com Orçamento Participativo e governança municipal em geral. Participei de alguns eventos em que eu sabia que iria encontrar, por exemplo, mesas de discussão sobre o Orçamento Participativo e atores que trabalham no governo, na academia, no mundo das associações. Fiz uma espécie de etnografia, procurando entender quem estava de fato promovendo as transferências do Orçamento Participativo em nível mundial e algumas vezes em nível local. Acompanhei, por exemplo, o Fórum Social Mundial de 2009 em Belém e o Fórum das autoridades locais que aconteceu na mesma cidade no mesmo ano. Tive também algumas reuniões do Observatório Internacional da Democracia Participativa. Participei do encontro da Rede Metrópoles, em Porto Alegre, e do maior encontro dos municípios na África, Africités, em 2012, em Dakar, no Senegal. Nesse encontro, estavam reunidas a maior parte das pessoas envolvidas com Orçamento Participativo na África Subsaariana. Participei do segundo encontro internacional sobre Orçamento Participativo nos Estados Unidos em Chicago no ano passado. Nessas reuniões, eu fazia uma observação participante em que eu podia flagrar os operadores das transferências em ação. Nesses espaços eles se encontram, trocam ideias e surgem novos acordos de cooperação. É um espaço importante para entender como funcionam as relações transnacionais, especialmente os processos de difusão.
A terceira frente de trabalho foi o uso da técnica de pesquisa in loco: visitava os municípios, participava de reuniões do Orçamento Participativo, coletava documentos, entrevistava prefeitos ou autoridades locais que tinham participado do processo de transferência. Em alguns casos, consegui participar das reuniões, porque coincidiu com o período que eu estava visitando os municípios. Por exemplo, em Villa El Salvador no Peru, tive a oportunidade de participar das reuniões do Orçamento Participativo. Em outras ocasiões, não tive essa possibilidade. Trabalhei com essa técnica de fazer pesquisas in loco: coletar material em ONG, prefeituras, sedes, sucursais de organizações internacionais, como em Lima, em Washington, na sede do PNUD em Quito no Equador, entre outros.
A partir desses muitos gigabytes e caixas de arquivos, pude confrontar com as informações de entrevistas, documentos oficiais e literatura secundária. Controlava essas informações, fazendo uma espécie de triangulação das informações entre os diversos documentos para compor o processo de difusão internacional do Orçamento Participativo.
A minha pesquisa se divide em três níveis: nível global, nível regional (por causa da África Subsaariana e da América Andina) e nível local com alguns casos muito pontuais no Equador, no Peru e na África Subsaariana, no Moçambique, na África do Sul e no Senegal. Não foi fácil, porque é preciso organizar muito bem o campo, ter certo domínio da língua (francês, espanhol, inglês) e conhecer um pouco da cultura local."